Como as bets afetam a saúde mental dos brasileiros


 

As apostas on-line podem provocar dependência, isolamento social, impactos emocionais e financeiros – brasileiros já apostam R$ 20 bilhões por mês em plataformas digitais e cresce a procura por tratamento para dependentes.

Especialistas em saúde mental temem que o problema se torne bem mais frequente em consequência do grande número de plataformas de jogos on-line que passaram a atuar no Brasil depois de 2018, oferecendo desde apostas esportivas (sports betting) a jogos de caça-níquel, como o jogo do tigrinho (Fortune Tiger).

Em dezembro daquele ano, o presidente Michel Temer, nas últimas semanas de seu mandato, sancionou a Lei nº 13.756, previamente aprovada pelo Congresso Nacional. A norma definia, entre outras coisas, a destinação do dinheiro arrecadado nas loterias e permitiu a exploração comercial das chamadas apostas de quota fixa, a ser exercida por empresas autorizadas pelo Ministério da Fazenda.

A nova modalidade de jogo é associada a eventos reais ou virtuais (fictícios) de diferentes modalidades esportivas (futebol, vôlei, entre outros). É chamada de quota fixa porque, no momento da aposta, o jogador sabe por quanto será multiplicado o dinheiro que arriscou caso acerte o resultado do evento, que pode ser o desfecho de uma partida ou outro ato do jogo, como quem fará a primeira falta. Um exemplo: quem aposta R$ 2 em um evento com fator multiplicador 10 pode acabar com um saldo de R$ 20, caso acerte o resultado. Ou perder o que apostou e sair sem nada, se errar.

Da sanção dessa lei para cá, mais de 2 mil casas virtuais de apostas – as chamadas bets – passaram a atuar no país, segundo reportagem publicada em 13 de setembro no jornal O Estado de S. Paulo. A maior parte delas está sediada em outros países, alguns deles paraísos fiscais, e operam no Brasil por meio de um sócio nacional ou empresário contratado. “As apostas existem na internet desde os anos 1990, mas a partir do início da década de 2010, com a disseminação dos smartphones no Brasil, ficou mais fácil para os usuários daqui acessar os sites e aplicativos. Como grande parte dessas empresas está sediada no exterior, elas não cometiam contravenção penal no país por explorar os jogos de azar, prática proibida no Brasil desde a década de 1940”, explica Guilherme Klafke, professor de direito digital da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. “Ao mesmo tempo, é muito difícil fiscalizar e monitorar esses sites e aplicativos que, em geral, estão sediados em locais onde a legislação é flexível e sem muitas regras. ”

As modalidades de jogo mais frequentemente associadas a comportamento problemático entre os adultos eram os cassinos on-line e os jogos de caça-níquel, de acordo com o estudo, publicado em agosto na revista The Lancet Public Health. Ao separar os dados por períodos, os pesquisadores observaram um aumento na proporção de jogadores a partir de 2016, quando vários países começaram a legalizar os jogos on-line.

De acordo com as estimativas, 7,8% dos adultos e 10,3% dos adolescentes do mundo já participaram de jogos de azar em plataformas on-line, cuja receita global no ano de 2030 deve chegar a US$ 205 bilhões. Quando se olha para a fração que jogou on-line no último ano, porém, esses números sobem, respectivamente, para 13,3% entre os adultos e assustadores 48,7% entre os adolescentes. Em ambos os grupos, por volta de um em cada 10 jogadores passa a ter comportamento problemático.

“A busca por atendimento na área de saúde mental e a prevalência de transtornos associados ao jogo aumentam à medida que essas formas são legalizadas e as possibilidades de aposta crescem”, afirma o psiquiatra Daniel Spritzer, do Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre. Ele integra um grupo de trabalho da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o uso problemático de jogos digitais e coordena no país o Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (Geat).

 

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Confira, ainda, no podcast da Revista Pesquisa Fapesp: O psiquiatra Hermano Tavares fala sobre a prevalência do transtorno do jogo e a busca maior por tratamento

 

Fonte:

Revista Pesquisa Fapesp

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