Instituto Adolfo Lutz e USP detectam primeiros casos de tuberculose extensivamente resistente no Brasil


 

Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o projeto de pesquisa, que ainda se encontra em estágios iniciais, tem como objetivo estudar as características fenotípicas e genéticas da Mycobacterium tuberculosis – bactéria causadora da tuberculose – que apontem resistências do microrganismo a medicamentos. Em colaboração com o Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo (CVE), da Secretaria de Saúde do Estado, o grupo visa à elaboração de um modelo de laudo detalhado que auxilie os médicos no tratamento mais eficiente e adequado a cada paciente.

A resistência aos novos medicamentos foi detectada no Laboratório de Referência para Tuberculose do Instituto Adolfo Lutz pelos métodos tradicionais e pela detecção das mutações no genoma da bactéria, realizada no Laboratório de Pesquisa Aplicada a Micobactérias do ICB, coordenado pela professora Ana Marcia de Sá Guimarães, do Departamento de Microbiologia. A análise genética permite um mapeamento mais rápido e detalhado do microrganismo, em comparação com a análise tradicional — em que os bacilos têm sua reação a cada fármaco testada individualmente.

Classificado como ‘tuberculose extensivamente resistente’, o tratamento da doença é mais prolongado do que as demais resistências e dura até 18 meses. Ele é caracterizado quando, além da resistência à rifampicina e isoniazida, utilizadas no tratamento oferecido pelo SUS há décadas, é observada resistência a qualquer fluorquinolona e pelo menos um dos medicamentos recém-introduzidos no Brasil, como por exemplo a bedaquilina.

Até então haviam sido detectados apenas casos de bactérias multirresistentes — em baixa frequência —, que acontece quando há resistência a dois desses fármacos utilizados pelo SUS (rifampicina e isoniazida). “A detecção da resistência aos novos medicamentos, como a bedaquilina e delamanida, que foram aprovados para uso no Brasil nos últimos cinco anos, reforça a necessidade de um esforço constante para o monitoramento do surgimento desses casos, como também a busca de novos medicamentos”, aponta a professora Ana Marcia de Sá Guimarães, do Departamento de Microbiologia/Laboratório de Pesquisa Aplicada a Micobactérias do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.

Quando expostos a um medicamento de forma inadequada, os microrganismos, que naturalmente desenvolvem alterações genéticas que os tornam resistentes à ação do fármaco em questão, são selecionados. Nesses casos, buscam-se alternativas de outros medicamentos que possam substituir aqueles que não serão eficazes para curar a tuberculose.

Complementar à vacinação no controle da tuberculose, que traz proteção apenas contra a tuberculose infantil, o tratamento realizado pelo SUS consiste no uso de antibióticos variados, o que diminui a chance de seleção das bactérias resistentes e alcança altas taxas de cura quando realizado de maneira completa.

A detecção dos casos de tuberculose extensivamente resistente reforça a necessidade de atenção à doença no Brasil, país das Américas onde há a maior incidência da doença. Foram mais de 100 mil casos no ano de 2021, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar disso, o País não figura entre os países com mais casos da tuberculose multirresistente, ocupando a penúltima posição no ranking de seu continente. Para Lucilaine Ferrazoli, pesquisadora do Instituto Adolfo Lutz (IAL) e coordenadora do estudo, isso se dá graças ao desempenho do Programa Nacional da Tuberculose no País, que inclui o controle de distribuição dos medicamentos utilizados.

“O fato desses medicamentos não serem vendidos em farmácias e serem fornecidos somente com indicação médica é uma estratégia importante para mantê-los ‘seguros’, garantir que não sejam usados de maneira irregular”, diz.

No entanto, o melhor amigo da multirresistência é o abandono do tratamento. Algo comum segundo a pesquisadora, pois durante o período de tratamento, que dura em média seis meses, muitos pacientes deixam de lado as medicações, principalmente por se sentirem bem após algumas semanas. “Quando o paciente recebe uma indicação e um acompanhamento, isso garante que o tratamento seja realmente efetivo. Por isso, é importante que, juntamente com o monitoramento dos casos de resistência, haja também valorização do tratamento do SUS e da vacinação, que teve o calendário atrasado na pandemia”, complementa.

 

Fonte:

Jornal da USP

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