Trabalho e família primeiro: os efeitos da falta de tempo para cuidar da saúde nas brasileiras
Visando reforçar a necessidade de cuidados integrais entre as mulheres, o projeto Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil) apresentou os principais resultados de 15 anos de estudos sobre diferentes condições de saúde femininas. As pesquisas mostram que as mulheres têm hábitos mais saudáveis, fumam menos, não se excedem no álcool e consomem mais frutas e legumes. No entanto, foi constatado que 40% das mulheres, de todas as faixas etárias e grupos socioeconômicos, não conseguem cumprir a recomendação mínima de atividade física no lazer, que é de duas horas e meia por semana. De acordo com os estudos, isso se deve à dificuldade de conciliar o trabalho com as rotinas familiares, principalmente entre mulheres mais jovens, com menos escolaridade e filhos pequenos, aumentando o estresse e o risco de enxaqueca.
O Elsa-Brasil, que inclui várias universidades brasileiras além da USP, é um estudo epidemiológico dedicado a pesquisar os fatores associados a doenças crônicas não transmissíveis, como câncer e distúrbios cardiovasculares. Uma pesquisa realizada com mulheres que se submeteram a mamografia para identificar câncer de mama em Salvador (BA) mostra que as disparidades socioeconômicas e reprodutivas entre mulheres pretas e brancas foram responsáveis por diferenças na densidade mamográfica, o que pode dificultar o diagnóstico da doença. Outro trabalho identificou uma ocorrência de 8,5% de síndrome de ovários policísticos (SOP), que causa irregularidade na ovulação e aumento dos níveis de hormônios masculinos, propondo critérios para identificar a doença no pós-menopausa e sua associação com diabete e problemas cardiovasculares, além de um questionário para avaliar o excesso de pelos corporais, um dos sintomas da SOP.
Estilo de vida e saúde
As pesquisas do Elsa-Brasil apontam que a dificuldade no equilíbrio entre vida pessoal e trabalho é fonte de estresse e pode influenciar as prioridades pessoais e também reduzir o tempo disponível para o próprio cuidado e o lazer, afetando a saúde e o bem-estar, especialmente entre as mulheres. Elas se referem com mais frequência à existência de conflito entre trabalho e família, quando esforços para atender às demandas no emprego interferem na habilidade de responder ao que é demandado pela vida familiar. Essas mulheres em geral tiveram mais chances de mencionar um pior auto avaliação de saúde, estilo de vida menos saudável, enxaqueca, tiveram maior ganho de peso e queixas de sono mais frequentes.
A relação entre a enxaqueca e indicadores de conflito na relação entre trabalho e família foi investigada em 6.183 mulheres e 5.664 homens participantes do projeto. Os resultados apontam maior carga da doença na população feminina relacionada a vários fatores de estresse, tais como a interferência na tensão do trabalho com a família, assim como a interferência dos familiares no trabalho e falta de tempo para cuidados pessoais e lazer.
Altas demandas psicológicas de trabalho e baixo apoio social interagiram com a falta de tempo para os cuidados pessoais em associação com enxaqueca definitiva. Entre os homens, a enxaqueca foi associada apenas à falta de tempo para os cuidados pessoais.
Doenças crônicas
A hipertensão arterial é uma das doenças mais comuns em adultos, sendo responsável direta por um grande número de mortes por derrame, infarto e outros eventos, atingindo cerca de 25% dos adultos brasileiros (Pesquisa Nacional de Saúde, Ministério da Saúde, 2013), e sendo mais frequente entre as mulheres a partir da menopausa. Uma dieta de qualidade ruim (alta em sódio e baixa em potássio) facilita o desenvolvimento de hipertensão e dificulta o seu tratamento. A análise da urina de 6.749 mulheres e 5.870 homens mostrou que os homens consomem mais sal do que as mulheres (12,9 gramas por dia e 9,3 gramas por dia, respectivamente). Quando esse consumo é corrigido para o peso corporal, a diferença fica menor, 160 e 140 miligramas por quilo (mg/kg). Outro dado importante é que a pressão na mulher é mais sensível ao sal, ou seja, uma dieta de alto consumo, 5 gramas (g) ou mais por dia, causa maiores prejuízos para mulheres. A qualidade da dieta, dada pela relação entre sódio e potássio na urina, é ruim em ambos os sexos.
Entre as participantes do Elsa-Brasil, cerca de 1,6% das mulheres com idade entre 35 e 74 anos referiram ter tido diagnóstico de câncer de mama. Diferente do que recomenda o Ministério da Saúde, de que mulheres entre 50 e 69 anos realizem mamografia a cada dois anos, a grande maioria das mulheres estudadas pelo projeto na Bahia realizou o último exame menos de dois anos depois do anterior, proporção que aumenta com a escolaridade, de 60,2% entre as que têm ensino fundamental a 82,4% entre aquelas com nível superior. A idade mediana da primeira mamografia ficou entre 40 e 49 anos, faixa em que 44,1% das mulheres fez o exame pela primeira vez. Esta distribuição não variou com a escolaridade, a situação conjugal e a cor da pele. Um estilo de vida saudável se associou a uma periodicidade de rastreio mamográfico dentro do recomendado. Nota-se um padrão de intenso uso de serviços médicos, com história de cirurgia plástica mamária em 7,1% do total, proporção que aumenta com a escolaridade (de 1,2% a 11,6%) e foi maior entre aquelas com união conjugal atual ou prévia.
Pesquisas com integrantes do Elsa-Brasil e mulheres assistidas pelo SUS mostram que, em comparação às brancas, mulheres autorreferidas como pretas apresentaram mamas mais densas na mamografia, o que é um fator de risco reconhecido para o câncer de mama. As disparidades socioeconômicas e reprodutivas entre mulheres pretas e brancas foram responsáveis por essas diferenças raciais na densidade mamográfica. Nesta mesma população de estudo, verificou-se maior densidade mamária à mamografia em mulheres entre 50 e 59 anos, quando comparadas a mulheres entre 60 e 69 anos, assim como mulheres mais magras, as que tiveram menos de dois filhos ou nenhum, amamentaram menos meses, faziam uso atual de terapia hormonal na menopausa e consumiam bebidas alcoólicas. Mais informações sobre o tema podem ser obtidas no documentário “Para enfrentar o câncer de mama: MULHERES pesquisam desigualdades entre MULHERES”.
Entre todas as mulheres estudadas com menopausa natural, 30,8% usaram terapia hormonal da menopausa (THM) no passado, a maioria com idade atual igual ou superior a 60 anos, sobretudo brancas, mas também pardas, com plano de saúde privado e não obesas, e 11,1% estavam em uso da THM, a maior parte delas com 60 anos ou mais, casadas, separadas ou divorciadas, nível de escolaridade superior ou pós-graduadas, plano de saúde privado, não obesas e sem contraindicação para a terapia. Entre as mulheres acima de 60 anos que fazem THM, 73,6% tinham mais de dez anos de menopausa e mais de cinco de terapia, e 15,2% apresentavam pelo menos uma contraindicação formal para a THM. Do total de 2.138 mulheres normotensas ou com hipertensão após a menopausa, 1.492 (69,8%) nunca tinham usado a THM, 457 (21,4%) usaram no passado e 189 (8,8%) estavam em uso atual. O uso de THM foi mais comum em mulheres fisicamente menos inativas, não fumantes e não diabéticas. Mulheres que fazem THM apresentaram menores chances de ter hipertensão, em comparação com as que nunca a usaram. Na maioria dos casos, a THM foi iniciada com idade até 59 anos, com menos de dez anos de menopausa e o uso durou até cinco anos. Outros dados podem ser consultados no boletim Saúde e Câncer de Mama, com resultados de um estudo suplementar que fez a caracterização do perfil e trajetórias das mulheres que realizaram mamografias de rastreamento na Bahia, registradas no Sistema de Informação do Câncer (Siscan), disponíveis neste link.
A síndrome de ovários policísticos (SOP) é uma doença comum em mulheres em idade reprodutiva, que costumam apresentar irregularidade na ovulação, aumento dos níveis de hormônios masculinos e ovários com aspecto de vários cistos. No Brasil, a única avaliação disponível em nível nacional da frequência da SOP foi calculada pelo Elsa-Brasil em 8,5% das mulheres assistidas pela rede de atenção primária em Salvador. O projeto também validou o primeiro questionário curto e auto administrado para identificar o hirsutismo, que é o excesso de pelos corporais em mulheres, decorrente do aumento dos níveis de hormônio masculino, um dos aspectos a serem avaliados no diagnóstico da SOP. O questionário validado foi usado num estudo que propôs um conjunto de critérios para identificar mulheres com SOP no pós-menopausa, momento em que se torna importante esse diagnóstico na identificação de grupo de risco para diabete e doenças cardiovasculares. As mulheres selecionadas de acordo com esses critérios apresentavam características da SOP, não apenas dentro do esperado, mas também amplamente associadas a esse transtorno.
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