Novas evidências mudam a forma de ver o ‘consumo moderado de álcool’


Beba com moderação. A frase que embala as propagandas de bebidas alcoólicas recorre ao bom senso das pessoas, mas deixa em aberto um ponto central: com quantos copos de cerveja, taças de vinho ou doses de destilado se faz um consumidor regrado? É razoável argumentar que não há um número mágico universal, que se adéque a todos os públicos. Esse limite dependeria de uma série de fatores, como idade, sexo, constituição física, características genéticas, estilo de vida e estado geral de saúde do indivíduo, além do teor alcoólico do líquido ingerido.

Aumento de casos de câncer e de outras doenças associadas a poucas doses de bebida desafia a noção de beber com parcimônia.

A maioria das cervejas tem cerca de 5% de álcool, aproximadamente dois quintos do teor de etanol predominante em vinhos e espumantes. A cachaça, o uísque, a vodca, o gim – enfim, os destilados – têm por volta de oito vezes mais álcool do que a cerveja. Então, além da quantidade, o tipo de bebida consumida também entra na equação da moderação. Isso sem falar que, não raro, a ocasião às vezes induz o bebedor ao copo. Quem recusa um chopinho numa mesa de bar com os amigos ou um brinde numa festa de casamento ou aniversário?

Não há consenso na literatura científica sobre quanto seria beber com parcimônia, algo como um padrão de consumo sem repercussões negativas ou com impactos quase desprezíveis na saúde física e mental. Nas últimas décadas, alguns estudos sugeriam que o consumo de pequenas doses de álcool, geralmente vinho tinto, poderia ser benéfico ao coração, mas o tema permanece polêmico e hoje é contestado por muitos trabalhos. O pouco que se ganharia em termos de proteção cardiovascular seria anulado pelo aumento da probabilidade do surgimento de outras doenças

A conclusão dominante de um conjunto de estudos e recomendações mais recentes é a de que não há dose, por pequena que seja, com risco zero à saúde. Quanto menor for a ingestão de álcool, menor o risco de desenvolver doenças relacionadas a esse hábito, como problemas no coração, alguns tipos de câncer, cirrose hepática, distúrbios mentais e alcoolismo, sofrer ou provocar acidentes e se envolver em violência física. Essa é a mensagem central da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de boa parte dos trabalhos científicos atuais.

Segundo a OMS, os efeitos negativos do consumo de álcool estão associados à ocorrência de mais de 200 tipos de doenças e acidentes danosos à saúde. No mundo, cerca de 3 milhões de mortes por ano, 5,3% de todos os óbitos, decorrem dos efeitos do álcool. As vítimas fatais entre os homens, os maiores consumidores de bebidas alcoólicas, representam 7,7% do total de mortes masculinas. Nas mulheres, são 2,6%. O impacto negativo da bebida entre jovens adultos é ainda maior: 13,5% das mortes de indivíduos na faixa dos 20 aos 39 anos são atribuídas a problemas causados pelo álcool.

Atingir um consenso sobre o que seria uma ingestão moderada, ou tolerável, de álcool é muito difícil. Alguns pontos, no entanto, são hoje inegociáveis. Certas parcelas da população não devem beber de forma nenhuma. Esse é o caso dos menores de idade, cujo desenvolvimento cerebral pode ser afetado pelo álcool, e das grávidas e lactantes. Outras situações requerem uma política de tolerância zero com o álcool, como antes de dirigir ou realizar tarefas que possam causar acidentes ou oferecer perigo à vida.

Informar a população e os formuladores de políticas públicas sobre os riscos associados ao consumo de álcool, um hábito arraigado na maior parte das sociedades, é a tônica dos estudos mais recentes.

A matéria completa está publicada na Revista Pesquisa Fapesp, maio de 2023

 

Fonte:

Agência FAPESP

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